Embora o dízimo seja uma prática comum em nossas igrejas, poucos ensinamentos causam tanta polêmica como este que irei abordar.
O cristão está obrigado a dizimar ou não? Antes de obter a resposta para esta pergunta, é necessário entender a abrangência do dízimo no tempo, bem como as formas de aplicação dadas a ele ao longo da história.
Antes da Lei
Abraão voltava de uma batalha, onde resgatara seu sobrinho Ló. Ao seu encontro vinha Melquisedeque, sacerdote do Senhor, trazendo pão e vinho para garantir a sobrevivência do homem de Deus. O escritor de Hebreus diz que Abraão ainda nem havia nascido quando Melquisedeque lhe saiu ao encontro, deixando claro que este evento era um projeto de Deus, a fim de dar a Abraão a provisão e a bênção num tempo que ainda estava por vir. Reconhecendo a provisão de Deus na pessoa de Melquisedeque, Abraão entregou-lhe os dízimos de tudo (do que havia conquistado dos reis na guerra), demonstrando gratidão ao Senhor. (cf. Gn 14:18-20; Hb 7:1-10)
Anos depois deste evento, seu neto Jacó viajava de Berseba a Harã. Ao anoitecer, parou num lugar para dormir, usou uma pedra como travesseiro e adormeceu. Em sonhos, viu uma escada que tocava da terra ao céu, e no topo estava Deus. Do alto o Senhor lhe disse que o abençoaria e lhe daria uma grande nação como descendência, e renovou com Jacó as promessas feitas a Abraão. Acordando do sono, Jacó reconheceu aquele lugar como casa de Deus e fez ali um voto dizendo: “Se Deus for comigo, e me guardar nesta viagem que faço, e me der pão para comer, e vestes para vestir; E eu em paz tornar à casa de meu pai, o SENHOR me será por Deus, E esta pedra que tenho posto por coluna será casa de Deus; e de tudo quanto me deres, certamente te darei o dízimo.” (Gn 28:10-22)
No primeiro caso, Abraão reconhece em Deus a provisão que lhe manteve vivo e dá-lhe graças através do dízimo; e no segundo caso, ao perceber que as bênçãos do Senhor estavam sobre si, Jacó fez com Deus um propósito de dar-lhe os dízimos de tudo o que das Poderosas Mãos viesse a receber.
Na Lei de Moisés
Os filhos de Jacó fizeram o que era mau aos olhos do Senhor. Venderam como escravo aos estrangeiros seu irmão José, o mais querido de Jacó, e disseram a seu pai que um animal o havia matado. Mas Deus, que conhece os corações, deu a José um lugar de respeito e o tornou governador do Egito. Enquanto José governava o Egito, a fome assolou as outras nações. Sua família foi ao Egito procurar mantimento e o encontraram lá como governador. Faraó permitiu que Jacó e os irmãos de José levassem sua família para viver no Egito, escapando assim da fome que os castigava em Canaã.
Muitos anos se passaram, os israelitas se tornaram um povo numeroso, José morreu e também o Faraó, e levantou-se um outro Faraó que não conhecia José e não via Israel com bons olhos. Este novo Faraó escravizou Israel, e esta escravidão durou aproximadamente quatrocentos anos, durante os reinados de outros faraós.
Mas a promessa de Deus para a descendência de Abraão era prosperidade, e não escravidão. O Senhor se serviu de Moisés para tirar Israel do Egito, e durante os quarenta anos que peregrinaram rumo à terra que Deus havia prometido, foram instruídos em como proceder na partilha das bênçãos daquela terra.
Das doze tribos descendentes de Jacó (Israel), onze partilhariam as terras entre si. A tribo de Levi fora eleita por Deus para Lhe servir no tabernáculo, e sua herança seria a décima parte de tudo quanto fosse produzido nas onze terras distribuídas, bem como da carne dos animais que nelas fossem criados. Esta era a herança dos levitas: os dízimos e as ofertas de seus compatriotas (Js 13:14).
Partindo daí, não fica difícil compreender a repreensão de Deus através de Malaquias, ao acusar os israelitas infiéis nos dízimos e ofertas alçadas de roubarem ao Senhor. Ao não entregar o dízimo para o sustento sacerdotal, o israelita estava cooperando contra o cumprimento da promessa de Deus feita à tribo de Levi, de viver da décima parte dos rendimentos anuais da terra de Canaã.
Na Lei de Moisés, o dízimo ganha caráter obrigatório, diferente do período patriarcal, quando era praticado por reconhecimento e grata voluntariedade.
No Cristianismo
É importante ressaltar que como imposição da Lei, só era permitido que sacerdotes levitas recebessem os dízimos. Provavelmente seja este o motivo de nenhum dos apóstolos ensinarem ou exigirem dos crentes os direitos sobre os dízimos. Jesus, em um único evento (e sob a Lei) comenta sobre a prática do dízimo por parte dos judeus (Mt 23:23 paralelo com Lc 11:42).
Nem Jesus, nem qualquer apóstolo faziam parte da tribo de Levi, o que não os qualificava segundo a Lei como receptores dos dízimos. Paulo ensina por vezes em suas epístolas sobre a contribuição cristã como ato de amor e voluntariedade.
Um fato importante a ser observado é que os judeus convertidos a Cristo não foram instantaneamente isentos do dízimo judaico por ainda fazerem parte da nação de Israel e, como israelitas que eram, deveriam manter-se firmes nos propósitos de Deus para com a nação. Somente em 70 d.C. com a queda de Jerusalém, quando o templo foi destruído por Nero, é que os judeus (tanto judeus cristãos como ortodoxos) deixaram de entregar os dízimos, pois sem o templo cessou o trabalho levítico-sacerdotal. Com o fim do sacerdócio, os judeus deixaram também de oferecer holocaustos, e vivem até os dias atuais sob a liderança dos rabinos.
Aos cristãos não-palestinos o dízimo jamais fora ensinado pelos apóstolos. Nenhuma pessoa que vivia fora das terras partilhadas pelas tribos era responsável por sustentar a tribo de Levi, pois não desfrutavam a herança entre a descendência de Jacó.
Portanto, aplicar Malaquias 3:8-12 à Igreja como obrigatoriedade é, no mínimo, deturpar o texto sagrado, torcê-lo para dizer o que não diz. O versículo 6 trata os interlocutores de Malaquias como “descendentes de Jacó”, ou “filhos de Jacó”, o que exclui os gentios.
Isto quer dizer que o cristão não deve ser dizimista? Não, não quer dizer isto. O que este artigo pretende levar a você, leitor, é o fato de que o dízimo pode sim ser adotado pela Igreja, mas como o foi antes da Lei: por gratidão e reconhecimento, sendo participante de bênçãos sem fim, pois Deus ama a quem dá com alegria (II Cor 9:8), mas não devemos fazer disto uma moeda de troca com Deus. Também não devemos ver o dízimo como ato salvífico, e o não dizimar não deve ser confundido com avareza, desde que o crente seja dado a ofertar de coração aberto.
A dívida que tínhamos com Deus foi paga por Jesus na cruz do Calvário, e toda cédula que nos era contrária foi por Ele cravada na cruz.
É triste ouvir pregadores respeitados aterrorizando igrejas sob a ameaça de que Deus (Deus?!) enviará o devorador a suas casas em caso de falha na contribuição mensal do dízimo. Entenda que nem mesmo no contexto de Ml 3:8-12 Deus está ameaçando os infiéis a lhes enviar o devorador (que se tratava de uma praga de gafanhotos que devorava lavouras, não de um demônio), o que Deus faz neste contexto é prometer aos fiéis, que por amor a eles e à sua fidelidade o devorador será repreendido. Percebe-se uma diferença colossal entre enviar uma praga por causa da infidelidade e repreendê-la por amor à fidelidade.
O objetivo deste artigo não é levantar ainda mais questões além das que já existem sobre o dízimo, tampouco quero questionar a idoneidade das denominações que aplicam o dízimo como contribuição sistemática (aliás, eu mesmo sou dizimista), o que desejo realmente através deste artigo é que nada, absolutamente nada, ponha preço à salvação conquistada e outorgada de graça por Deus, através da fé em Seu Amado Filho, Jesus Cristo – o nosso Senhor.
A Graça do Senhor Jesus seja com todos!
Marcelo Reis.
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