sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

A Serpente de Bronze, Uma Figura de Cristo

E, como Moisés levantou a serpente no deserto, assim importa que o Filho do homem seja levantado; para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. (João 3:14-15)

Ia caminhando pelo deserto um povo chamado por Deus a conquistar o melhor da terra. Eram muitas as impossibilidades, e as dificuldades eram das maiores. Mas Deus havia chamado o povo para conquistar.
Numa caminhada de décadas não faltou provisão, pois os seus sapatos não se envelheciam, suas roupas não se acabavam, água brotava da rocha pra lhes matar a sede, chovia carne e aparecia pão pra lhes saciar a fome. O Senhor lhes deu vitória sobre todos os povos que se lhe opuseram no caminho da terra prometida e muitos exércitos caíram pela mão do Senhor em seu favor.
Mas nada disto foi o suficiente para que o coração do povo de Israel se inclinasse humildemente diante do Senhor dos Exércitos. Por vezes Israel se curvou diante de práticas e de deuses pagãos. Murmuravam, pecavam, insurgiam-se contra a liderança e contra a Lei de Deus.
Depois de derrotar o forte exército dos cananeus, Israel prossegue no caminho e começa a angustiar-se pelo cansaço e, pelo cansaço, murmura contra Moisés e contra o seu Deus. Chegam a afrontar, dizendo a Moisés: "Por que você nos tirou do Egito? Para que morrêssemos aqui neste deserto? Pois aqui não há comida nem bebida, e já estamos enjoados deste pão miserável (o maná) que você nos dá!" (Números 21:5).
A atitude ingrata do povo provocou a indignação de Deus, que enviou serpentes venenosas para assolar Israel e através delas muita gente morreu no deserto.
Quando a nação percebeu que a praga das serpentes era um castigo do Senhor, o povo arrependeu-se , humilhou-se e pediu a Moisés intercessão, para que Deus afastasse de Israel as serpentes venenosas e lhes poupasse a vida.
A resposta de Deus não foi a retirada das serpentes, mas ainda assim quis mostrar outra vez seu amor e misericórdia. "Faça uma serpente de bronze", disse o Senhor a Moisés, "e a coloque num poste alto, para que todos possam vê-la, e acontecerá que se alguém for picado por uma serpente venenosa, e olhar para a serpente que você terá feito, ficará curado" (Números 21:8). E assim foi.
O roteiro da misericórdia está claro neste contexto. Israel cria em Deus, sabia do seu amor e do seu poder, mas estava angustiado e cansado. Esta condição se agravou porque a nação deixou de observar a Lei e de crer nas promessas de Deus. Quando o povo abandona a posição de servo confiante, passa a murmurar e a se fatigar. Isto provoca a ira de Deus, mas arrependendo-se e voltando-se para o Senhor, a misericórdia de Deus se manifesta, providenciando o escape. A serpente levantada no deserto trazia à memória de quem olhava para ela a Lei de Deus. O episódio da serpente de bronze ficou registrado na memória dos judeus como o chamado de Deus ao arrependimento. "E quem olhava para ela era salvo, não em vista do objeto que olhava, mas por ti, ó Senhor, Salvador de todos" (Sabedoria* 16:7).
Ao falar do Novo Nascimento, Jesus comenta com Nicodemos a serpente de bronze que Moisés levantou no deserto e afirma ser necessário que o Filho do Homem seja levantado da mesma forma (João 3:14).
Hoje estamos nós, muitas vezes nas mesmas condições de Israel no caminho do deserto... Estamos cansados, angustiados e enfraquecidos. As tribulações nos fazem murmurar e até esquecer das promessas de Deus. Esquecemos os mandamentos, deixamos a essência de lado e reclamamos. Pecamos. Experimentamos o veneno da serpente, aquele mesmo veneno que trouxe morte a Eva e a Adão. Pecamos sim! Erramos e nos achamos no direito de reclamar, de reivindicar. Somos então, ainda mais envenenados, e se não houver arrependimento morreremos em nossas ofensas e pecados.
Mas assim como a serpente foi levantada no deserto, Cristo foi pendurado no madeiro, para que ao olharmos para ele tenhamos salvação e vida eterna!
Nos cansamos porque deixamos de olhar para Cristo. Olhamos para os problemas, para as dificuldades, e olhamos até mesmo para o pecado... Estamos fartos de dar a outra face e queremos ter razão. Mas ainda ouvimos o convite de Jesus, aquele mesmo convite feito a Tomé: "Veja o sinal dos cravos, e as feridas feitas pela lança no meu lado..."
Pela fé ainda podemos olhar para a Cruz e saber que o nosso Jesus foi morto nela, moído pelas nossas iniquidades, a fim de voltarmos nossos olhos para os princípios da adoração e da santificação.
A ele glória para sempre, pela oportunidade que nos deu de sermos livres do veneno do pecado.
"Olhai pro Cordeiro de Deus"!

Em Cristo Jesus,
Marcelo Reis.

*O livro da Sabedoria não consta nas Bíblias protestantes, mas era respeitado pelos judeus helenistas como um livro útil para conhecimento por fazer parte da Septuaginta (Bíblia Grega do Antigo Testamento). Atualmente este livro é contado entre os deuterocanônicos (ou apócrifos) da Bíblia católica.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Os Igrejólatras

Chega a ser interessante o nível de idolatria praticada por alguns crentes fanáticos diante de sua própria denominação. Deveriam ser, no mínimo, mais um ramo de estudo dentro da apologética o que chamo aqui de "igrejólatras".
É lamentável o que esta prática pode causar no caráter de pessoas sinceras, realmente interessadas em agradar a Deus - mas, infelizmente, enganadas em seu pseudo-evangelho. Pode-se identificar facilmente um igrejólatra dois minutos após ele saber que você e ele congregam em denominações diferentes. Ele se sente (e se demonstra) mais espiritual do que os crentes de outras igrejas e duvida de quase tudo o que ocorre no mundo espiritual fora de sua denominação. É uma pessoa que defende a própria fé baseando-se em tradições, usos e costumes. A escassez de conhecimento bíblico logo fica estampada no próprio ato de se julgar mais apto pelas obras que aprendeu em sua igreja e na correria cega que faz procurando argumentos para denegrir a imagem de qualquer outra igreja.
O perigo da igrejolatria chega a ser maior do que o da idolatria propriamente dita. Isto porque os idólatras podem ser facilmente esclarecidos ao perceberem que só o verdadeiro Deus pode e deve ser honrado soberanamente. No caso dos igrejólatras, sua mente é forçada a crer que Deus está comprometido a fazer verdadeiras obras somente entre os crentes de sua denominação. Jesus deixa de ser o caminho para Deus e Sua salvação para dar espaço às práticas da igreja que o levarão ao merecimento de sua salvação. Desta forma, a Graça já não é mais Graça (Rm 11:6).
Recentemente tive a infeliz experiência de conversar com uma pessoa assim. É desagradável, fútil e empobrecedor. Percebe-se que o sentimento de superioridade compartilhado pelos igrejólatras vem dos púlpitos de sua igreja, causando um processo de idiotização em massa. Nota-se que eles têm certeza do que estão dizendo, mesmo que seus conceitos sejam escancaradamente controversos.
Uma marca que os igrejólatras levam inevitavelmente é a falácia*. Como a Bíblia não concede monopólio de salvação a grupo religioso nenhum, é necessário que eles recorram a algum tipo de afirmação que intimide o interlocutor, como se estivessem dizendo a coisa mais óbvia, a verdade incontestável...
Veja como é simples identificar uma falácia igrejólatra:

1º) O extremismo
Ou é oito ou oitenta! É tudo ou nada! Se você não é santo é condenado. Se não pensa igualzinho a todos os membros da igreja você é contra ela. Se não se submete cegamente a tudo o que a liderança diz, você é um rebelde (e rebeldia neste caso é comparada àquela que a Bíblia diz ser pior do que o pecado de feitiçaria [1 Sm 15:23] - e eles fazem questão de jogar isto na sua cara!). Se isto se aplica aos membros da denominação extremista, não é difícil imaginar o que se aplica às denominações que adotam práticas e costumes diferentes das delas.

2º) O apelo à vaidade do interlocutor
Quando um igrejólatra tenta convencer você de suas teorias, ele precisa ter controle da necessidade que você tem de não parecer um idiota ao discordar dele. É como se ele dissesse: "Puxa vida, uma pessoa tão espiritual como você não acredita nisto?!" ou "Sei que você é espiritual, claro que vai entender isto..."

3º) Superioridade preconceituosa
"Isto que estou lhe dizendo Deus revela somente a pessoas especiais" ou "É necessário ter intimidade com Deus pra saber disto" ou ainda "Deus não revelaria o que estou lhe dizendo a qualquer um". Estas são frases especiais para o igrejólatra deixar você constrangido a concordar com ele de alguma forma ou, no mínimo, não refutá-lo.

4º) Ridicularização do credo alheio
"Se há perdão para pecadores crentes na sua igreja os pecadores nunca irão deixar de pecar" ou o famoso jargão "Seu pastor não ensina de outra forma para não perder os dizimistas que têm". Se a sua igreja adota o dízimo como prática de contribuição sistemática e a dele não, ele diz que seu pastor é um ladrão e você é, portanto, um idiota.



5º ) O argumento da antiguidade ou tradição
Geralmente as igrejas com maior ocorrência de igrejolatria são mais antigas e, na maioria das vezes é liderada por um presbitério mais idoso. O fiel fanático atribui à antiguidade da igreja e de seus líderes a certeza que tem de estar dizendo a coisa certa. "Sempre foi assim" ou "Se Deus sempre age na minha igreja sendo assim há anos é porque ela está certa, logo se a sua é diferente, ela está errada".

6º) O apelo à maioria
"Veja o tamanho da minha igreja! Você acha que Deus permitiria tanta gente ser enganada?"; "Há muito mais pessoas na minha igreja do que na sua, somos maioria, por isto é claro que estamos certos".

7º) O testemunho-propaganda
As obras realizadas por Deus em sua igreja passam a ser condicionadas à denominação. Os testemunhos contados chamam mais atenção ao que aconteceu em sua igreja do que ao Deus que fez a maravilha contada. É como se Deus só tivesse feito o que fez porque a pessoa pertence à tal denominação.

8º) Ataque à idoneidade e à autoridade
As possíveis falhas no comportamento do ministério ou maus testemunhos que membros tenham dado na igreja que você frequenta servem como armas para o igrejólatra tentar lhe desmotivar a continuar congregando em sua igreja. Ele usa estas falhas para descredibilizar a igreja e seu ministério como povo de Deus.

9º) O apelo ao medo
"Vamos ver no dia do Juízo Final quem estava certo". Seria engraçado se não fosse ridículo acreditar que Deus estaria interessado em decidir quem estava com a razão diante do Juízo Final. O igrejólatra, quando perde forças para argumentar, passa a aterrorizar a mente do interlocutor, fazendo parecer que ao discordar de suas ideias, estará automaticamente lançando sua alma no inferno. Para chegar a convencer seu oponente o uso de testemunhos de visões do inferno, de conversas com anjos e todo o tipo de experiência extra bíblica é largamente usado.

10º) A falácia da bola de neve
Tudo o que a organização religiosa de um fanático rejeita é tomado como absurdo e visto como o caminho para a perdição. Se a igreja onde você congrega concorda com o ministério feminino e a dele não, será fácil ouví-lo dizer que não há homens capazes de liderar na sua igreja e que logo as mulheres irão tomar a liderança da igreja. Se a sua igreja trabalha com reintegração de desviados e a dele não, ele irá certamente associar você a um apologista do pecado e dizer que em breve sua igreja será comparada a Sodoma e Gomorra.

11º) Generalização indevida ou tomar a parte como um todo
"Todo pastor é corrupto e ladrão, eu mesmo conheci um que era..."; "As pessoas daquela igreja não têm amor, meu vizinho é de lá e não ama nem os próprios filhos..."; "Aquela igreja não merece crédito, conheço um pastor de lá que agiu desordenadamente..."

12º) Atribuições absurdas
"Nossos jovens são mais santos porque não vêem televisão"; "Deus atende às orações daquela irmã porque ela não usa maquiagem"; "Seu pastor não merece credibilidade porque o filho dele é desviado"; "A minha igreja é a verdadeira porque é diferente de todas as outras", etc.

Fato é que não devemos desviar o foco da nossa salvação da pessoa do Senhor Jesus. É através do sangue de Jesus e da fé que nele exercemos é que somos salvos. Não há nada, ninguém, nem qualquer denominação que seja capaz de atrair os benefícios da maravilhosa Graça de Deus. As denominações não trazem benefício algum além de reunir pessoas que compartilham um mesmo parecer teológico.
Não se atrai a bondade de Deus com proclamações de boas obras, mas com um coração quebrantado  e humilde (Sl 51:17).
Devemos ter em mente a todo tempo que se houvesse condições para que pudéssemos perder o amor de Deus, já o teríamos perdido há muito tempo. Empregamos forças em servir a Deus e obedecê-lo para que Ele veja em nós sinceridade, mas todo o nosso esforço é vão e toda a nossa capacidade é nada, pois é por misericórdia d'Ele que não somos consumidos, e não por merecimento nosso.
O Senhor dos Exércitos, Justo e Soberano não precisa se ater a denominação nenhuma para cumprir a Sua vontade, porque d'Ele, por Ele e para Ele são todas as coisas!

Marcelo Reis.

*Falácia é o termo empregado para descrever argumentos claramente inconsistentes e infundados tomados como verdades universais.