terça-feira, 7 de setembro de 2010

A Pretensa Queda de Satanás


É impressionante como alguns dogmas andam por aí vestidos como verdades bíblicas. Alguns chegam a ultrapassar séculos sem serem questionados seriamente. Outros deles são ensinados abertamente em nossos púlpitos, aceitos incondicionalmente por crentes dedicados ao estudo da Palavra de Deus.
Neste texto quero tratar especificamente de um assunto antigo, que embora muitos acreditem, não encontra base bíblica sólida em versículo algum. É o falacioso ensino da queda de Satanás.
         Quando eu era menino, não fazia idéia de quantas vezes ouvira alguém ensinar na igreja que Lúcifer havia sido o maior e mais dedicado anjo a serviço de Deus. Segundo a crença, ele era o regente do coro e da orquestra celeste, superando em qualidade todo tipo de talento encontrado nos céus. Conta-se que, num determinado momento, Lúcifer ousou mostrar-se grande e insubordinado a Deus, promovendo uma sedição entre os anjos e convencendo um terço deles a segui-lo em vez de continuar sob a autoridade de Deus. De acordo com o conto, a rebelião foi descoberta e Lúcifer foi expulso do céu junto com os anjos que o seguiram, representando a partir daí a personificação do mal.
         Não podemos descobrir onde exatamente nasceu esse ensino, mas tenho certeza de que não foi nas Escrituras Sagradas. O nome Lúcifer não é mencionado nem uma única vez na Bíblia, a não ser em casos como na tradução da Vulgata Latina – texto base para tradução das Bíblias Católicas – que em vez de traduzir lux fero como “portador da luz”, faz uma transliteração para Lúcifer em Isaías 14:12. A versão em inglês King James traz o nome Lúcifer acompanhado de nota (O Lucifer; or, O day star – Ó estrela da manhã). Mas não podemos fazer vista grossa para o contexto de Isaías 14:12. O texto é uma zombaria ao rei de Babilônia e não a Satanás. Os versículos 13 e 14 são os que mais causam a falsa impressão de apoio bíblico para a lenda: “Você que dizia no seu coração: Subirei aos céus; erguerei o meu trono acima das estrelas de Deus; eu me assentarei no monte da assembléia, no ponto mais elevado do monte santo. Subirei mais alto que as mais altas nuvens; serei como o Altíssimo". Como todo governante grego, persa ou romano, o rei de Babilônia acreditava que seria um deus quando atingisse o ponto máximo do poder. O que não deve ser feito neste caso é torcer a interpretação do texto a ponto de obriga-lo a dizer que quem disse isso foi Satanás.
         Outro texto usado largamente para apoiar o ensino é Ezequiel 28:1-19, que também é uma profecia contra um governante, desta vez o governante de Tiro (recomendo a leitura do texto). Uma leitura rasa destes versículos mostrará que o texto se refere ao príncipe de Tiro, um homem (v.2) e não um espírito como Satanás. Em coincidência com os versículos 13 e 14 de Isaías 14, os mesmos versículos do capítulo em questão parecem conter uma referência ao ensino: “Você estava no Éden, no jardim de Deus; (...)Você foi ungido como um querubim guardião, pois para isso eu o determinei. Você estava no monte santo de Deus e caminhava entre as pedras fulgurantes.” Esta é outra glória que Satanás nunca teve. O guardião que Deus escolheu para o jardim do Éden foi o homem que Ele criara: “Tomou, pois, o SENHOR Deus ao homem e o colocou no jardim do Éden para o cultivar e o guardar.” (Gênesis 2:15)
         Jesus diz em João 8:44 que o diabo foi homicida desde o princípio, não que ele era bonzinho.
         Isso envolve toda uma problemática:
a)     Todo pecado é precedido de tentação. Se a Bíblia diz que Deus a ninguém tenta e de ninguém é tentado (Tiago 1:13), quem teria tentado Satanás para que pecasse?
b)     Se alguém tentou Satanás, e esse alguém não era Deus, então havia um outro tentador antes de Satanás.
c)     Desconsiderando a hipótese de haver um outro tentador, Satanás sozinho maquinou o mal em seu coração, logo ele é criador do pecado. Isso o constituiria criador do mal, destituindo Deus da condição de Criador de todas as coisas.

Até o exílio babilônico, os judeus desconheciam alguém em quem estivesse personificado o mal. Tanto o bem quanto o mal era atribuído ao Senhor. Um exemplo claro disso é a narração do censo em Israel e Judá durante o reinado de Davi. O evento é narrado duas vezes na Bíblia, sendo uma narrada antes do exílio e outra depois. Em 2 Samuel 24:1 (antes do cativeiro) a Bíblia diz que O SENHOR irou-se contra Israel e incitou-o a numerar o povo. Em 1 Cronicas 21:1 (depois do cativeiro) é declarado que Satanás levantou-se contra Israel e levou Davi a fazer um recenseamento do povo. Isso não é uma contradição, é uma consideração. Antes do exílio, Israel jamais ouvira falar de Satanás. O primeiro contato dos judeus com Satanás é na narrativa de Jó, escrita por um judeu anônimo afim de fortalecer a fé dos judeus durante o cativeiro.
     Cativos em Babilônia, os judeus tiveram contato com o Zoroastrismo, religião dualista oficial no império babilônio e persa. O Zoroastrismo cria no deus Ahura Mazda (considerado o criador dos mundos) e em seu inimigo Ahrimã (a personificação do mal). O conceito de inimigo esposado em Ahrimã deu aos judeus a inspiração do nome Shatan (Satan ou Satanás), que signigica inimigo, opositor ou adversário. A carinha de ex-bonzinho quem deu a Satanás foram nossos antepassados.
     Pode parecer estranho eu gastar meu tempo aqui contestando a “boa origem” de Satanás, mas acho mais que contundente. O que eu realmente acho estranho é meus conservos da fé aceitarem que uma criatura do Deus Eterno foi capaz de afrontá-Lo, dividir o Reino e escapar impune. Não é nisto que creio. Eu acredito que o nosso Deus é um Deus tão santo que não se contaminaria administrando o pecado, por isso criou Satanás e o designou a isto.

         Que a graça do Senhor Jesus seja com todos!
         Marcelo Reis.


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17 comentários:

  1. Uau! Polêmico assunto detected, rs
    Gostei do texto e concordo plenamente.
    Outro autor que tem essa opinião é Paulo de Aragão Lins.
    Que Cristo Jesus seja sua inspiração, sempre!

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  2. Obrigado, irmã Simone. Que Deus continue te abençoando.

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  3. Graça e Paz, irmão Danilo. Muito obrigado pela visita e seja muito bem-vindo! É uma bênção tê-lo por aqui.
    Já estou seguindo seu blog, um forte abraço pra vc e tudo de bom.

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  4. Querido Marcelo, muito polêmico seu texto, fui ensinado de outra forma, no entanto vou estudar, e qualquer hora te falo meu ponto de vista. No momento não tenho bagagem para contradizê-l0, nem apoiá-lo.
    Parabéns, gostei muito de seu blog, passei para uma visita e já estou seguindo.
    Convido você para uma visita em meu blog, se gostar será um prazer tê-lo como seguidor.
    Em Cristo:
    Amarildo.

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  5. Olá, Amarildo! Seja muito bem-vindo a este humilde espaço! Vou dar uma passadinha agora mesmo no seu blog pra conhecer.
    Deus o abençõe em Cristo Jesus!

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  6. analizando este assunto com efeito a biblia fala pouco sobre um supostamente anjo que cometeu um, dos pecados na minha opiniao imperdoavel que é a insubordinaçao contra Deus, eu diria que muita gente da a satanas uma gloria que ele nunca teve pois pra mim, ele sempre foi um miseravel
    genesis

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  7. Se Deus criou a Satanás,como Ele poderia declarar que tudo o que criara era bom(Gênesis1:31)?O que cristo quiz dizer em lucas 10:18,não estava Jesus ensinando sobre a expulsão de satanás do ceu após sua rebilião?

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    1. Um cuidado que devemos tomar sempre, ao interpretar um texto bíblico, é o de não fugir do contexto em redor do tema.
      O contexto de Gênesis 1:31 é a semana da criação. Observe que a narrativa não inclui a criação dos anjos nem de qualquer outro ser espiritual. O Senhor acabara de ver toda a sua obra na semana da criação, e viu que tudo aquilo era bom. Não existe aqui nem mesmo alusão à criação de Satanás, muito menos do suposto querubim chamado Lúcifer.
      Em Lucas 10:18 também não vemos nehuma base para defendermos a queda de Satanás, primeiro pelo momento do acontecimento não se encaixar na história (pois se Satanás estivesse caindo naquela hora, quem seria aquele que tentou a Jesus no deserto?), e em segundo lugar, o contexto fala da autoridade que Jesus deu aos setenta discípulos para curar e fazer vários sinais, como expulsar os demônios por exemplo. Quando os discípulos voltam da missão, estão exultando de alegria por perceber que até os demônios se sujeitaram a eles. Quando relatam isto a Jesus, ele lhes confirma o que aconteceu dizendo: "Eu via Satánás, como raio cair do céu." O que Jesus está fazendo aqui, não é dizer de uma hora pra outra, sem mais nem menos, sem ter nada a ver com o assunto, que Satanás havia sido o melhor anjo e que tinha caído do céu como se fosse um raio. Jesus está dizendo que, de tão grande que era o poder conferido aos discípulos, ao passam que eles exerciam seu ministério e expulsavam os demônios, Satanás (e sua autoridade) caíam por terra, assim como um raio cai do céu.
      Portanto, estes textos não servem para comprovar a queda de Satanás, nem para aludir que Deus criou Satanás bom.
      Quanto a Deus haver criado tudo bom, devemos comparar esta afirmação a textos como estes a seguir:

      "Eu formo a luz, e crio as trevas; eu faço a paz, e crio o mal; eu, o SENHOR, faço todas estas coisas." - Isaías 45:7
      "O SENHOR fez todas as coisas para atender aos seus próprios desígnios, até o ímpio para o dia do mal." - Provérbios 16:4
      "Não saem da boca do Altíssimo os males e os bens?” - Lamentações 3:28

      O que dizer diantes destas palavras? Que o Senhor não faz também o mal? Dizer equivale a desmentir a Bíblia, pois ela nos ensina o contrário.
      Devemos crer sim que Deus executa, através daquele a quem Ele designou para isto, o mal.

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    2. Eu formo a luz e crio as trevas, faço a paz e crio o mal, eu, o SENHOR, faço todas estas coisas(Is 45:7) Deus não faz o mal (Tg 1:13; 3 Jo 1:11), mas sim Satanás.. A palavra hebraica para designar mal é ?ra e pode significar mal moral, a natureza perversa, como também pode significar males como inundações, terremotos, tempestades de granizo, referidos nos livros como sendo atos de Deus. Aqui no livro de Isaías é empregada neste último sentido. Basta comparar com Isaías 47:11, onde o mal se define como desolação e calamidades que virá repentinamente. Em Amós 3:6 lemos: sucederá algum mal (calamidade) à cidade que o Senhor não tenha feito
      em Isaías 45:7 o profeta queria dizer que Deus permite o mal- Crio o mal. Deus é o autor da luz e da paz. Ele permite o mal para que os homens e os anjos possam testificar o resultado do afastamento dos eternos princípios da justiça. Na Escritura, Deus muitas vezes é representado como causando aquilo que ele não evita.
      Você foi ungido
      como um querubim guardião,
      pois para isso eu o designei.
      Você estava no monte santo de Deus
      e caminhava entre as pedras
      fulgurantes.
      Ezequiel 28.
      15 Você era inculpável em seus caminhos
      desde o dia em que foi criado
      até que se achou maldade em você.
      16 Por meio do seu amplo comércio,
      você encheu-se de violência
      e pecou.
      Por isso eu o lancei, humilhado,
      para longe do monte de Deus,
      e o expulsei, ó querubim guardião,
      do meio das pedras fulgurantes

      O REI TIRO NAO FOI UM QUERUBIM INCUPÁVEL,É OBVIO QUE O TEXTO NÃO SE REDERE SÓ A TIRO,MAS A UM QUERUBIM LANÇADO DO MONTE DE DEUS,QUE ERA QUEM REALMENTE ESTAVA POR TRÁS DO GOVERNO DE TIRO.
      SE A QUEDA DE SATANÁS NÃO É REAL CONO ENTENDER:
      APOCALIPSE12.7-9:"Houve guerra no céu. Miguel e os seus anjos tiveram que lutar contra o dragão. O dragão lutou juntamente com seus anjos 8 mas, como não foi forte o bastante, ele e todos os seus anjos perderam o seu lugar no céu. 9 O enorme dragão foi expulso. Ele é aquela antiga serpente, cujo nome é Diabo ou Satanás e que engana o mundo inteiro. Ele foi atirado para a terra e os seus anjos foram atirados junto com ele."

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    3. Irmão Bruno, os textos citados não conseguem basear a queda de Satanás se não forem forçados a dizer o que queremos que eles digam. O rei de Tiro, no caso, é chamado de homem na primeira parte da profecia (no v2), na segunda parte ele assume a tipologia do homem escolhido para ser guardião (querubim) do Éden (Gn 2:15). É inadmissível que a serpente que tentou Eva no jardim fosse também o querubim da guarda daquele lugar.
      Quanto a Apocalipse 12, esta queda, dentro do seu contexto, só acontece numa batalha muito posterior ao nascimento do filho da mulher (Cristo) perseguido pelo dragão. Essa queda narrada na profecia apocalíptica tipifica a queda de Satanás frente ao poder do reino de Cristo. Note que neste evento, o Cristo já nasceu, discordando da teoria da "queda".

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    4. Este comentário foi removido pelo autor.

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  8. Grande Marcelo!Parabéns pela coragem de abordar aqui algo tão polêmico,achei interessante pode ter certeza que me despertou para estudar melhor o assunto.
    Saudades.
    Grande abraço!!!!!!!!1

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  9. Desculpe usar a conta de vcs é que não consegui comentar por outra contar.Evaldo

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  10. Jesus disse que Satanás não permaneceu na verdade,não indicaria isso que outrora Satanás estava na verdade(João8.44)?Como Deus poderia ter criado um ser mau diante de textos como Salmos5.4:Deuteronômio32.4;3João.11;Tiago1.13?

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  11. Querido Bruno, prosseguindo...

    Você havia citado que em João 8:44 Jesus teria dito que Satanás não teria "permanecido" na verdade e que isto indica que outrora Satanás estivesse na verdade.
    Conferindo as versões da Bíblia que tenho em mãos, observei o seguinte:
    Almeida Revista e Corrigida, Almeida Corrigida Fiel, Almeida Século 21: dizem que ele "não se firmou" na verdade.
    A Nova Versão Internacional diz que ele "não se apegou à verdade".
    A Bíblia de Jerusalém é uma das poucas a afirmar que ele não "permaneceu" na verdade. Ainda assim, traz em nota de rodapé sobre a palavra "permaneceu" como sinônimo de "não estava estabelecido".
    Nos textos originas (com base no Textus Receptus) a palavra grega em questão é "histemi", e neste versículo está empregada no tempo aoristo, e pode significar parar, ficar parado, cessar, restar ou até mesmo continuar ou permanecer, como você sugeriu em seu comentário.
    Haja vista à frequente preferência dos tradutores pelo termo "se firmar na verdade" para concluirmos o que o texto realmente quer dizer sobre a relação entre Satanás e a verdade.
    Quanto ao Salmo 5:4, não sou eu quem tento afirmar que o mal surgiu na habitação de Deus, no Céu. Aliás, isto é exatamente o que tenho confrontado.
    Deuteronômio 32:4 e 3 João v.11 podem muito ser entendidos diante de Isaías 45:7 onde Deus diz: "Eu formo a luz, e crio as trevas; eu faço a paz, e crio o mal; eu, o SENHOR, faço todas estas coisas".
    Tiago 1:13 foi citado por mim no próprio artigo em questão. É justamente este versículo que usou pra dizer que Satanás não pode ser o criador do mal. Como Deus a ninguém tenta, e não havia tentador antes do nosso adversário, ele simplesmente fez o que lhe era próprio: pecar.
    Infelizmente a única coisa que pode-se fazer em defesa da "queda de Satanás" é insistir para que a Bíblia diga o que ela não diz, e ainda lançar descrédito a textos claríssimos em detrimento de outros que supostamente venham a sustentar esse ensino antibíblico.
    Será necessário transformar homens em Satanás, transformar Satanás em Lúcifer, acreditar que ele era o querubim que guardava o Éden (enquanto está diante de todos a clareza de que no Éden ele era a serpente...).

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  12. Irmão Marcelo não creio que Satanás era um anjo bonzinho-João8.44; 1João3.8; Isaías45.7-[ http://estudosbiblicosmanabetel.blogspot.com.br/2013/06/era-satanas-um-anjo-bonzinho.html ]. Mas queria saber sua opinião sobre 1 Timóteo3.6-7, alguns entendem o texto mais ou menos assim. Assim como Satã por causa do seu orgulho sofreu a queda, um bispo orgulhoso sofrerá a ruína:"Não pode ser recém-convertido, para que não se ensoberbeça e caia na mesma condenação em que caiu o diabo."
    1 Timóteo 3:6. O que Paulo realmente quis dizer com isso? Cria ele que o diabo caiu do céu por causa de sua soberba?

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  13. A grande maioria das traduções, principalmente as das mais antigas, verte o texto assim: "Não neófito, a fim de que ensoberbecendo-se, não caia na condenação do diabo". Ainda que este texto nos leve a crer na possibilidade de o pecado pelo qual o diabo é condenado seja o orgulho, nada podemos dizer quanto este pecado haver sido motivo de uma suposta queda. A Bíblia nada diz sobre isto.
    Devemos ter em mente outra coisa:
    Quem afirma esta suposta queda é quem deve provar bases bíblicas para tal, não quem rejeita.

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