sábado, 13 de agosto de 2011

Inferno: que lugar é esse?

"Tormento". Esta é a primeira palavra que vem à mente quando ouvimos alguém falar de inferno. A ideia de sofrimento, castigo e sentença está intimamente ligada ao nosso conceito da palavra inferno. Comumente acredita-se que seja este o lugar onde os ímpios serão castigados pelo mal que fizeram, e também onde estaria estabelecido o reino de Satanás.
Tratando-se da cultura brasileira e da crença popular, este conceito não está de todo errado. Porém, falando biblicamente não poderemos tomar como ponto de partida a cultura brasileira nem a crença popular. Isto porque além de as Escrituras haverem sido entregues a um povo de cultura totalmente distinta da nossa, muito do que vemos hoje na crença popular brasileira é de origem pagã.
O objetivo deste artigo não é negar o castigo eterno ou o juízo, e muito menos a vingança vindoura do Senhor sobre os ímpios, e sim fazer a correta distinção entre a palavra inferno usada popularmente em língua portuguesa e as palavras empregadas nas Escrituras originais que foram por uma grande infelicidade traduzidas por inferno em nossa língua.
Em primeiro lugar, é muito importante ter em mente que a ideia de inferno para tormento eterno só foi aceita no cristianismo nos séculos escuros da Idade Média para impôr  medo aos pagãos em recusar as crenças do catolicismo.
Em segundo lugar, é necessário buscar entender o que o escritor bíblico tinha em mente quando escreveu. Para podermos imaginar o que ele tinha em mente nesta ocasião, precisamos ao menos conhecer a cultura da época e do lugar onde viveu o escritor.
No Antigo Testamento em hebraico, a palavra Sheol é usada mais de sessenta vezes para designar o "além-túmulo", e expressa a ideia de "habitação dos mortos" ou "sepultura". Na crença dos hebreus o Sheol nunca foi visto como o lugar para onde apenas os ímpios iriam, ou o lugar de castigo eterno para a injustiça praticada em vida. Tanto justos quanto injustos "desciam" ao Sheol.
Imagine Jó, cansado do sofrimento, comparando a morte ao descanso, ansioso por ser dispensado da vida terrena (Jo 14:14), de repente, no meio de um discurso dizer assim ao Senhor: "Quem dera me mandasses para o inferno (Sheol) e me escondesses da tua ira!" (Jo 14:13). Seria um absurdo Jó esperar que Deus o mandasse para o inferno para ser poupado da ira divina. Por isso "Sheol" está traduzido como "sepultura" neste versículo, e não como "inferno".
Imagine também Salomão se dirigindo aos leitores de Eclesiastes e dizendo: "Faça tudo o que tiver que fazer com toda a sua força, pois você vai para o inferno (Sheol), e lá não há trabalho nem projeto, nem conhecimento ou sabedoria alguma" (Ec 9:10). Não é estranho? Por isto aqui também "Sheol" não foi traduzido como "inferno".
Este mesmo "Sheol" foi traduzido em muitíssimos outros textos como "inferno", talvez por influência do conceito já estabelecido e consagrado pela igreja medieval. Não há na língua portuguesa uma palavra capaz de expressar a verdadeira natureza do Sheol, portanto o melhor a se fazer é manter a palavra hebraica apenas transliterada, pois assim não se deturpa o sentido que o escritor tinha em mente.
O Novo Testamento (em grego) tem, como equivalente do Sheol hebraico, a palavra Hades, que substitui o Sheol sessenta e uma vezes na Septuaginta. Há, entretanto, algumas diferenças nas dimensões do Hades percebidas pelos gregos que os escritores hebreus não fazem caso no Sheol. Os gregos dividiam o Hades em duas partes: o Elysium, onde habitariam os vencedores, e o Tártarus, que receberia os ímpios após a morte. Alguns estudiosos associam o Elysium ao "Seio de Abraão", mencionado na parábola do rico e Lázaro, mas não se pode defender esta divisão do Hades baseando-se em nenhuma interpretação bíblica ortodoxa. Não podemos usar uma afirmação parabólica como se fosse a real e literal descrição do que há no além-morte.
Outra palavra também traduzida por "inferno" é Geena, o vocábulo hebraico Ge Hinom transliterado para o grego. Geena era, na verdade, o Vale de Hinom próximo a Jerusalém, onde anteriormente os cananeus ofereciam seus filhos em sacrifício a Moloque, e nos tempos do Novo Testamento não passava de um lixão, onde às vezes eram lançados corpos de mendigos e criminosos para serem consumidos pelo fogo. Em alguns casos, os corpos caíam fora do alcance do fogo, e suas entranhas ficavam expostas causando uma horrível sensação a quem passava por ali. Como o vale era o crematório das coisas sujas de Jerusalém, o fogo ardia constantemente, e evitando que ele se apagasse, jogavam ali enxofre para fortalecer as chamas.
O cenário do Geena tornou-se pavoroso na mente dos judeus e dos primeiros cristãos, chegando a ponto de tipificar o castigo dos ímpios após a morte. Nas passagens de Mt 5:22,29,30; 10:28; 23:15,33; Mc 9:43,45,47; Lc 12:2 e Tg 3:6 onde empregamos em nossas traduções a palavra "inferno" os escritores referiam-se ao Geena. Isto causava temor na mente dos leitores, pois ser atirado no Geena era a prova do desprezo pelo morto que a sociedade não quis ao menos ceder uma cova para que fosse sepultado. Esta comparação entre o cadáver desprezado e a alma pecadora apresenta a destruição dos ímpios no dia do juízo de forma alusiva mas eficaz.
Ainda uma outra palavra grega é empregada na Bíblia e traduzida como "inferno": a palavra "Tártaro" ou "Tártarus" usada em 2 Pe 2:4. O sentido primitivo de "Tártaro" é  um abismo escuro onde há desprezo e humilhação; não há qualquer alusão a fogo nem sofrimento e, ao menos nesta citação de Pedro, os anjos lançados no inferno (Tártaro) estariam reservados para um juízo futuro, para então serem castigados.

Conclusão:
A Bíblia ensina que todos os mortos descem à sepultura (Sheol / Hades). Do ponto de vista humano, todos os mortos são lançados no esquecimento da vida terrena. Ainda sob o ponto de vista humano, na sepultura (e não no inferno) não há nenhum projeto, sabedoria ou conhecimento. O "inferno do caos" não tem origem bíblica, embora a Bíblia seja claríssima quanto ao castigo eterno para os ímpios e ao gozo para os justos. Devemos saber distinguir entre o conceito bíblico do Sheol / Hades e o inferno que a crença popular brasileira tem conhecido, pois fazendo assim compreenderemos claramente o que o escritor bíblico quis passar com sua mensagem. Perceberemos então, que o inferno que ouvimos falar popularmente, e que não tem nenhuma base bíblica,  está mais para o lago de fogo citado por João do que para o Sheol / Hades.
Respondendo a pergunta que é tema deste artigo, o Sheol ou Hades é um lugar visto [sob a ótica humana] como o lugar além da vida para onde todos os mortos hão de ir.
Importante mesmo é fazer por onde não conhecer esses lugares pessoalmente, e para isso devemos nos aplicar à leitura e à prática da Palavra de Deus, evitando o pecado, a idolatria e as falsas doutrinas.

Em Cristo,
Marcelo Reis.

5 comentários:

  1. Graça e Paz, irmão Marcelo!

    Muito interessante a sua abordagem a esse tema que ainda confunde muitas pessoas.
    Confesso que me assustei com o exemplo que foi citado no artigo, sobre o desejo de Jó - morrer para se esconder da ira divina. Chocante, mas esclarecedor. Tira a dúvida de qualquer um, com o susto! =)
    Ah, acabei de twittar o seu artigo, ok?

    Abraços!!

    Simone Faith

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  2. Graça e Paz, irmã Simone!
    Que bom que gostou... Espero que seja esclarecedor para algumas outras pessoas também.
    Muito obrigado minha irmã, por ajudar a divulgar os artigos deste blog.
    Deus a abençoe em Cristo Jesus.

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  5. http://estudosbiblicosmanabetel.blogspot.com.br/2014/03/por-que-nao-creio-na-tortura-eterna.html

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