quarta-feira, 19 de outubro de 2011

A Suposta Ausência do Espírito Santo na Grande Tribulação

Frequentemente ouvimos teorias escatológicas tão variantes entre si que não sabemos dizer ao certo em qual delas depositamos confiança. Escatologia¹ é um assunto polêmico por natureza devido à variedade de pontos de vistas que se têm dela, mas a Bíblia diz uma única coisa e não nos dá o direito de interpretá-la de forma particular.
Este artigo pretende abordar o que se diz geralmente sobre a suposta ausência do Espírito Santo no período da Grande Tribulação (doravante denominada apenas por "Ausência").
Antes de entrar nos detalhes deste assunto, é necessário ter em mente que as verdades bíblicas são independentes das interpretações dadas a elas. Isto quer dizer que se nossas revelações pessoais ou nossos anos de estudo fazem o texto bíblico dizer o que não diz ou lançar descrédito sobre outro texto bíblico, o melhor que temos a fazer é reconhecer humildemente nossa infalibilidade e aceitar que a Bíblia inteira apresenta uma única mensagem e que, acima de tudo, ela não se contradiz. Tendo isto em mente, podemos analisar esta linha de pensamento com menos riscos de desenvolver sofismas².
O principal texto bíblico usado como base na crença da Ausência é 2 Tes 2:7:

"A verdade é que o mistério da iniquidade já está em ação, restando apenas que seja afastado aquele que agora o detém." - Nova Versão Internacional

O apóstolo Paulo dedicou todo o capítulo 2 da Segunda Carta aos Tessalonicenses ao tema da volta de Jesus. Inicialmente ele sugere precaução contra falsos pregadores que diziam naqueles dias que o Dia do Senhor³ já era chegado. A intenção de Paulo aqui é dar aos crentes a capacidade de reconhecer sinais que precederão o aparecimento do anticristo. O principal sinal apresentado por Paulo é a apostasia, que será imediatamente seguida do aparecimento do anticristo (v.3). Ele diz categoricamente no v.3: "Não deixem que ninguém os engane. Antes daquele Dia virá a apostasia, e então será revelado o homem do pecado, o filho da perdição". E nos vv.6-8 conclui: "E agora vocês sabem o que o está detendo, para que ele seja revelado no seu devido tempo. A verdade é que o mistério da iniquidade já está em ação, restando apenas que seja afastado aquele que agora o detém, então será revelado o perverso".

Entender o que Paulo quer dizer com estas palavras não requer muito esforço, exceto quando se lê o texto à espera que ele diga o que se deseja que ele diga. Se lermos o texto dispostos a entender unicamente o que ele diz, faremos claras constatações:

a) A mensagem central deste texto é reconhecer o tempo do juízo divino (ou Dia do Senhor), e não reconhecer o que impede a chegada do anticristo.
b) A questão da chegada do anticristo neste texto é apenas um sinal de que o Dia do Senhor ainda não chegou.
c) Paulo sugere abertamente que os tessalonicenses estão equivocados quanto ao Dia do Senhor porque não sabem reconhecer os sinais deste acontecimento.
d) O raciocínio de Paulo esclarece que Deus não derramará a sua ira antes que aconteça a apostasia, e é justamente contra a apostasia que o Senhor se indignará, pois por ela as pessoas rejeitarão o amor à verdade que os poderia salvar (v.10).
e) Se a apostasia é o fator imprescindível para o aparecimento do anticristo, ele não poderá se manifestar enquanto houver verdadeiros crentes na terra.
f) Com base nas afirmações anteriores é que Paulo conclui que "agora vocês sabem o que o está detendo", e que "resta que seja afastado aquele que o detém, então será revelado o perverso". O que as afirmações deixam transparecer é que Deus não derramará a sua ira sobre crentes fiéis, e por isto não permite que o anticristo apreça e realize suas proezas. A apostasia consiste no abandono integral da fé em Deus e em Cristo, coisa impossível de acontecer enquanto houver crentes fiéis na terra. Mas quando "o que o impede for tirado do meio" (ARC), então se revelará o homem do pecado.
g) Nenhuma das afirmações do texto sugerem ou insinuam que o Espírito Santo seja o agente impedidor do aparecimento do anticristo, mas a Igreja fiel que será arrebatada.


Esclarecidos os problemas de interpretação do texto base para a Ausência, deve-se também reconhecer os problemas acarretados pela crença neste pensamento. Os absurdos decorrentes deste pensamento são inúmeros, mas podemos citar os principais:


1. Crer que o Espírito Santo será tirado da terra é o mesmo que negar sua onipresença, afinal não há um único lugar no universo que não seja preenchido pela presença de Deus em todo tempo (Sl 139:2-18). Não devemos também confundir as inferências bíblicas do tipo "o Espírito Santo não habita corpos impuros" (em 1 Cor 6) com a afirmação "o Espírito Santo está ausente de corpos impuros", isto porque não habitar é algo distinto de não estar presente. O fato de eu não morar na Igreja, por exemplo, não me torna ausente dela.
2. Se o Espírito Santo é quem convence o homem de seus pecados (Jo 16:8) e dá testemunho de Cristo (Jo 15:26), sua ausência impossiblitaria as conversões narradas na Bíblia no período da Grande Tribulação. Isto invalidaria o ministério das duas testemunhas (Ap 11) e dos 144.000 judeus assinalados para pregar o Evangelho do verdadeiro Cristo, além de anular a própria salvação destes judeus e dos mártires vistos na glória, provenientes da Grande Tribulação.


Aplicar os princípios da hermenêutica4 bíblica à nossa interpretação é muito importante. Apoiados nela teremos o cuidado de analisar um texto à luz de toda a Bíblia. Se uma afirmação aparentemente verdadeira rechaça outros textos e/ou verdades bíblicas, estaremos convictos de que se trata de um sofisma. É o que ocorre com o ensino da Ausência do Espírito Santo na Grande Tribulação.


Que a comunhão do Espírito Santo seja conosco!
Marcelo Reis.

¹Escatologia é o nome que se dá ao estudo das últimas coisas.
²Sofisma é o que se diz de um raciocínio falso ou vicioso, baseado em meias verdades. Geralmente é utilizado para defender mentiras que parecem verdades, mas não possuem provas suficientes para se sustentar.
³"Dia do Senhor" é o termo empregado para designar o tempo que Deus irá tratar com a humanidade de acordo com a Sua justiça. Não se trata de um "dia literal", mas do período que compreende todo o cumprimento da justiça divina aplicada a justos e injustos no fim dos tempos até o estabelecimento do milênio.
4Hermenêutica é a ciência da interpretação de textos. É composta por um conjunto de regras que permite uma interpretação quase sem equívocos, quando bem empregadas.


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2 comentários:

  1. Muito boa a sua postagem Macelo. Estava preparando um sermão sobre esse tema. Vou citar vc.

    As pessoas fazem muito confusão sobre essa questão, mas é uma discussão boba.

    Parabens

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  2. Oh, meu amado irmão! Que bom ler estas palavras de incentivo vindas de alguém nobre como vc!
    Muito obrigado pelo respeito, e que Deus lhe abençoe muito.

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